quarta-feira, 14 de janeiro de 2009


               O  Brincar  de  Antigamente             

Não faz muito tempo havia as maravilhosas brincadeiras da infância. Não era preciso muita coisa bastava uma corda, uma bola, um pião, cinco pedrinhas, dois metros de elástico, bolas de gude... alguns meninos também faziam seus fantásticos carrinhos de rolimãs e suas pipas voadoras. Se não tivesse um giz; um pedaço de gesso ou um caco de telha eram suficientes para que imediatamente, surgisse uma amarelinha ou as tocas do coelho na toca. E quem lembra das brincadeiras de garrafão, bandeirinha, doninha da calçada, anel, cadê o grilo? tica-tica, 31 alerta, tá pronto seu lobo? licença meu bom barquinho, as cantigas de roda e a ousada tô no poço ?
 

Essas brincadeiras viabilizavam momentos significativos de trocas afetivas. As crianças ficavam muito tempo juntas e juntas aprenderam a olhar nos olhos, a contar com um amigo, a fazer comparações e escolhas, a abraçar, a dividir seus medos e angústias, a se desentender e depois fazer as pazes, a respeitar, a ouvir e aceitar o outro, a expressar seus sentimentos... Aprenderam que podiam ser felizes!!!
Não quero afirmar que as brincadeiras de antigamente, eram um elixir do equilíbrio do corpo e da mente. E que todas as crianças daquele tempo se tornaram adultos fortes, seguros, bem resolvidos... Quero somente sublinhar uma época na qual as coisas pareciam ser mais simples e a alegria mais presente.
 

Época onde as crianças gostavam de ficar juntas e de brincar. Uma época encantadora, cheia de sonhos e de imaginação.
Ressalto ainda que essas brincadeiras promoviam aquisições motoras, cognitivas e sócio-afetivas de grande importância.

NAS BRINCADEIRAS DE RODA ficavam todos em sintonia, de mãos dadas girando no mesmo sentido, cantando a mesma canção, numa harmonia plena. Naquele momento mágico, eram fortes e seguros – uma verdadeira equipe. Não era uma competição, não tinha um vencedor, um perdedor ou coisa parecida. Era o desejo de compartilhar com o outro um instante de prazer. Não havia solidão e nada os atingiria ali; estavam de mãos dadas e giravam pro mesmo lado. Às vezes iam à Espanha buscar seus chapéus.. Jogavam alguém na lata do lixo, mas se fossem um peixinho e soubessem nadar o tirava lá do fundo do mar. Atirava-se o pau no gato, mas ele não morria; penso que a paulada era segura, porque dona Chica ficava até adimirada, mas acabava tudo bem com o pobre gatinho. E na senhora dona Cândida, as crianças eram filhas do rei e netas da rainha. Já colocavam a rainha no papel de mãe do rei. Jó parecia ser um patrão legal, seus escravos tinham momentos de descontração, quando jogavam caxangá. Tenho uma admiração especial por Mariazinha, que reagiu àquele que foi ao tororó beber água e não achou e teve, apesar da sede a oportunidade de encontrar uma bela morena e a deixou lá. Como se não bastasse ainda veio provocar Mariazinha dizendo-lhe:
- oh! Mariazinha, oh! Mariazinha entrarás na roda e ficarás sozinha.
Que reagiu na hora, respondendo :
- sozinha eu não fico, nem hei de ficar porque tenho fulano para ser meu par.
Valeu Mariazinha ! mandou bem!
Na ciranda cirandinha, o anel recebido se quebrou por que era de vidro e amor se acabou por que era pouco. Tudo estava justificado.
A cantiga apareceu a Margarida, mostra determinação e busca de soluções diante de um problema. Quando se pergunta:
- onde está a Margarida?
Surge a resposta, que não é possível vê-la porque o muro é muito alto. Mas isso não foi impedimento, uma solução surge: tirar as pedrinhas, uma a uma até conseguir encontrá-la e dizer, com muita alegria:
- apareceu a Margarida olê, olê, olá...

                      
Quando brincavam de ESCONDE-ESCONDE, aquele que estava escondido, se percebia através do outro. Permaneciam diretamente ligados. Naquele momento um não existia sem o outro. Aqueles que estavam escondidos, precisavam ser sutis, tolerantes e avaliar qual a hora mais adequada para agir. Como também era necessário serem ágeis, terem capacidade estratégica, equilíbrio estático e dinâmico, a discriminação auditiva e visual eram de extrema importância; assim como, a concentração e o silêncio eram imprescindíveis. Além do que, entravam em contato com a ansiedade de serem encontrados, descobertos, revelados. Aquele que procurava, vivia inicialmente a sensação de ser o caçador, era dele que todos sumiam. Ele estava sozinho contra todos, mas, cada desvendamento trazia, além do sentimento de vitória, um reencontro. Era preciso ficar bastante atento a qualquer movimento, a qualquer som . E enquanto esse reencontro não acontecia, vivia-se um clima de mistério.

E na CABRA-CEGA, experimentava-se uma entrega absoluta, um contato com o próprio interior, uma intensa confiança e a certeza de que apesar de estar só, na escuridão, estavam todos por perto, bem pertinho mesmo.

Brincar de DONINHA DA CALÇADA era experimentar invadir o espaço alheio, todos sabiam quem era o dono da calçada, sabiam também que, ele não queria que ninguém a pisasse. Mas o desejo de inocentemente transgredir a vontade do outro, era emocionante.

Na brincadeira de LICENÇA MEU BOM BARQUINHO, era preciso formar uma fila, que caminhava cantando e a cada volta passava pelo portal, feito por dois componentes, assim : um de frente para o outro com as mãos dadas e os braços esticados para cima, formando um arco. Eles encabeçavam dois grupo, cada um representava uma fruta.
Inicialmente era uma única fila e todos ali sabiam que iriam, em um determinado momento fazer sua escolha e então aquela fila, constituída por todos, teria que ser dividida. Mesmo que alguém desejasse fazer parte de um determinado grupo ou fosse preterido por um outro, as duas equipes ficavam em silêncio e a aceitação era tranquila. Ganhava a equipe que tivesse a fila maior. Na realidade vivemos isso, nem sempre estamos no lugar onde queremos estar ou com as pessoas com as quais queremos ficar. Nem sempre pudemos escolher tudo. Mas é preciso conseguir se adptar e seguir da melhor forma.

E a fantástica brincadeira de BANDEIRINHA. Era necessário que os componentes de uma equipe resgatassem a bandeirinha, que estava locada no território dos adversários, sem serem tocados por eles. Conseguir isso era uma grande conquista. Era o momento de protegerem o próprio espaço e sua equipe e ao mesmo tempo tentar invadir o campo oponente, cientes de que estavam todos atentos e que poderiam ser atingidos, mas a bandeirinha lá do outro lado lhes pertencia e buscá-la era o objetivo.

Colocar uma PIPA no ar, era viver a realidade e a imaginação ligadas por um fio. Com os pés no chão, controlando os movimentos, podia-se sonhar, voar e se distanciar. Tendo a garantia de que o fio estava lá, fazendo essa conexão.

A BOLA DE GUDE, exigia um foco, concentração e é claro um pouco de sorte. Os poderosos “tecos“, atropelavam as bilocas comuns. E o barulho que faziam ao se encontrarem, anunciava que o alvo foi atingido.

E pular de ELÁSTICO? seguindo as etapas estabelecidas, vencendo os desafios, ultrapassando os limites. Era o corpo em movimento, tendo o elástico como um obstáculo que, às vezes não poderia ser tocado e em outros momentos se entrelaçava ao corpo, numa coreografia harmônica.

O BAMBOLÊ que envolvia e girava, girava... num movimento coordenado, contínuo e sensual.

Jogar QUEIMADA era fugir, defender e atacar. Quando atingidos, morria-se, mesmo assim continuava-se no jogo; isso diminuia a frustração.
Aquele que morria partia para um lugar onde ficavam exatamente de frente para os amigos do mesmo time. Os que estavam mortos não poderiam ser atacados, mas tinham a permissão para atacar. Parecia uma posição privilegiada. Mas preferiam estar do lado dos vivos, lutando pelas suas vidas, atacando e mantendo contato com os colegas do outro lado. No jogo de queimada, na maioria das vezes, os mais fracos, eram os primeiros a serem queimados, mas por estarem posicionados atrás dos adversários, se tornavam importantes na estratégia combinada com os mais fortes, que se encontravam do lado de lá, para juntos queimarem os oponentes. Um trabalho perfeito de equipe, onde a união, a paciência e a determinação faziam a diferença.

E jogar AMARELINHA ? um espaço delimitado, riscado no chão, onde a regra era simples e clara. Esse espaço interno deveria ser pisado, explorado, mas suas linhas eram intocáveis. Era preciso ter equilíbrio dinâmico e estático. Era imprescindível ter limite, concentração e destreza. Alguns pareciam verdadeiros gatos; rápidos, suaves e precisos.

Brincar de CINCO MARIAS era fascinante, sendo preciso somente cinco pedrinhas. Que eram manipuladas com movimentos graciosos, era como se dançassem livres – hora subiam, hora lançadas ao chão; seguindo uma coreografia bem definida, bem marcada.

Quando se brincava de ANEL, se experimentava o toque do outro através das mãos. Era um toque suave.

Quantas aquisições: concentração, coordenação óculo-manual, equilíbrio dinâmico e estático, organização espacial, organização espaço-temporal, capacidade de fazer escolhas e de respeitar os limites, destreza, rapidez, determinação, companheirismo, solidariedade, contato corporal, musicalidade, saber lidar com a frustração, organização, planejamento, estratégia, seguir as regras estabelecidas, controle da ansiedade... tudo isso regado com alegria, mistério, sensualidade e muito, muito calor humano. Eram felizes e sabiam disso.

Nas brincadeiras, o mais importante eram os amigos, não o brinquedo e se não tivesse nada pra brincar, era possível conversar, cantar e contar as famosas piadas do juquinha, de papagaio e ria-se muito. Ficar sozinho em casa... nem pensar, só quando ficavam doentes. Gostavam de ficar juntos e juntos decidiam fazer qualquer coisa, escolhiam a brincadeira, separavam as equipes, definiam os papéis e seguiam as regras. Tudo sem muito estresse. Parecia que os conflitos eram resolvidos com mais tranquilidade. Às vezes ficavam de mal, mas a maravilhosa sensação de fazer as pazes, sinalizava o quanto era bom estar juntos. Quando ficavam de bem, havia uma frase não dita, mas que estava legendada no brilho dos olhos: que saudade senti de você, meu amigo. E a partir daí, tudo seguia seu curso natural.

Nessa época, o dia do aniversário de um amigo, o tornava especial. Acredito que em nenhum momento, alguém pensou na possibilidade de jogar ovos ou farinha de trigo no aniversariante, esses ingredientes eram jogados numa vasilha para se fazer um bolo.

Também não era comum a obesidade infantil. Tornava-se quase impossível ser obeso; correndo, pulando, subindo em muros e árvores, dançando, pedalando, patinando, jogando bola... isso tudo praticado diariamente.
Com tantas experiências motoras vividas, as dificuldades psicomotoras, eram menos comuns. Até as letras eram mais legíveis, com um traçado mais firme, mais seguro.

Penso que as dinâmicas das brincadeiras promoviam uma maior segurança.
Não dava pra se sentir só e portanto, a ansiedade parecia ser diluída, a frustração mostrava-se mais branda, os medos eram encarados ou superados com maior facilidade. Naquela época havia muitos abraços, muitos olhares, mãos dadas, cantigas, palavras, sentimentos compartilhados, troca, cumplicidade... tudo isso ainda ajudava a previnir ou minimizar as possíveis depressões, fobias, manias...

As regras presentes e esse brincar em equipe, fomentavam o contato com limites claros, bem estabelecidos

É interessante ressaltar que, naquela época as crianças pareciam conseguir fazer seus deveres de casa com mais independência, nem sempre os pais podiam acompanhar. Da quinta série em diante, muitas vezes os pais nem sabiam o que os filhos estavam estudando.
Pareciam ter mais disposição. As meninas até ajudavam nos afazeres domésticos. É verdade ! isso aconteceu, eu juro.

E hoje... as crianças vivem de forma bem diferente, as brincadeiras de rua praticamente não existem mais, as escolas passam mais atividades para casa, os interesses mudaram, agora existem os jogos de computador, a internet, os canais a cabo, os playstations, os celulares. E como se não bastasse, os aparelhos de TV sairam da sala. Foram distribuídos pelos quartos, e cada qual pode ficar sozinho, assistindo ao canal desejado. Que tecnologia é essa, que separa , que aparta, aproximando um outro virtual que não preenche, não afaga, não encosta, sem barulho da respiração, sem face, sem olhar, sem expressão...

Entendo que houve um grande avanço tecnológico e o quanto esse crescimento é relevante para que tudo aconteça mais rápido. Evidencio, que os jogos on line, playstations e companhia, propiciam aquisições motoras importantes. Mas essas mesmas aquisições podem ser encontradas em jogos eletrônicos mais suaves, como: TETRIS, BULLET, RESTA UM, COME-COME, BEADS... é claro que não têm a mesma emoção dos jogos de ação, mas ajudam no desenvolvimento motor e não possuem inadequações éticas e morais. É importante também considerar a idade, a maturidade emocional e as características individuais de cada jogador.

Mas lamento quando a criança ou o adolescente, somente jogam à distância, sem contatos físicos.
Antes se jogava ludo, pega varetas, damas, dominó, baralho, banco imobiliário, máster, memória, trilha, war e se montava quebra-cabeças e tudo isso feito com muito entusiasmo, era prazeroso.

Entendo que hoje é mais difícil brincar na rua, na praça... tem a questão da violência urbana, da corrida em busca da aquisição de conhecimentos. E portanto, é aula de inglês, informática, entre ouras que ocupam o tempo das crianças e dos pais. Mas nem por isso devemos esquecer de como se brincava antes.

Hoje, a maioria das crianças brinca sozinhas em suas casas, com seus eletrônicos ou ficam elétricas numa LAN house, com alguém que está bem distante delas. Questiono os valores éticos e morais de alguns desses jogos, mas isso é outra história, muito diferente de antigamente onde não faz muito tempo havia as maravilhosas brincadeiras da infância...



Jemima Morais Veras
Psicóloga

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